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  • Foto do escritorJoão Quintela

Porque saio de casa?

Atualizado: 5 de mai. de 2022

“If it excites me, there is a good chance it will make a good photograph.” Ansel Adams

"Uma espécie de Bosque #3"


Hoje acordei relativamente tarde. Fui comprar pão, fiz o pequeno almoço, li as gordas dos jornais, li meia dúzia de artigos e de repente decidi que iria fotografar. Tirei um café e fui preparar o saco e vestir-me. Eram cerca das 09h15 quando sai de casa a pensar para onde iria.


Se o paragrafo anterior lhe parecer estranho não se preocupe; não deve ser o único e está bem dentro das “regras” da maioria dos fotógrafos de paisagem contemporâneos: fotógrafo de paisagem sai de casa ainda de noite, com o saco preparado de véspera, meteorologia verificada em, pelo menos, 3 apps diferentes e plano bem definido, numa fantástica app, e programado ao segundo.


Se o paragrafo primeiro lhe pareceu normal não se preocupe; não deve ser o único a achar que um passeio agradável pelos “bosques” locais é um excelente ocupação de sábado de manhã – ou de qualquer outro dia da semana – e que levar a máquina fotográfica à rua a essa hora é perfeitamente normal e razoável.

Deixei o carro no estacionamento e poucos minutos depois já estava em plena natureza – esse conceito tão português, que qualquer meia dúzia de árvores e um caminho tosco no meio é a “natureza”; seja como for, fico feliz por estar aí e de mochila as costas preparo-me para uma bela caminhada.


Nas primeiras horas de passeio tirei a máquina do saco por várias vezes e inclusive fiz algumas fotografias dignas desse nome.

Como assim? Fotografias feitas às 11h00 da manhã?


E isto vem a propósito de quê?


Vem isto a propósito que o que eu faço tem a ver com a experiência, não com a fotografia. O que me move a sair da cama (e sim, muitas vezes saio de noite cerrada) não é nunca o resultado. Não me preocupo em conseguir um trofeu; uma foto para mostrar nas redes sociais para saciar o meu (hipotético, acreditem) desejo de “gostos” ou a minha necessidade de massajar o ego e a autoestima, que vejo muito por aí e por vezes de uma forma assustadoramente autofágica.


O simples facto de estar a sentir o mundo natural, de sentir os cheiros diferentes, de ouvir os sons da natureza; o estar lá, imerso nesse espaço (cada vez mais) importante para mim é motivo mais que suficiente para ir, disfrutar e continuar a querer voltar sempre. Não tenho infelizmente, o tempo e os meios para conseguir estar na verdadeira natureza durante, digamos, três dias sem fazer absolutamente nada excepto estar; dormir, comer, ler, pensar, observar e eventualmente tirar uma fotografia ou outra. Isso tornaria a minha vida mais completa.


(E não verdade, revendo o que acabei de escrever, percebo onde falho; pois na verdade teria o tempo e os meios para conseguir – de quando em vez – fazer umas escapadas desse género; ficam só as desculpas)


Sempre que saio, vou com o objectivo de passar um bom bocado, normalmente em isolamento, e em contemplação deste nosso mundo que se está a perder a cada dia que passa. Pois essa minha filosofia é contrária à de muita gente, mesmo entre fotógrafos, que só tem dois minutos para “capturar uma pic”, ou fazer “aquele shot” que lhes dará um aconchego especial ao ego com os likes e gostos que irão ter, e rapidamente passar para o “próximo Spot”; mais um carimbo, mais um selo conseguido.


A este propósito Guy Tal escreveu; *1


Consider the following scenario: a person who frequently expresses great love of Chinese food enters one of the most highly rated Chinese restaurants in the world, and orders a favorite dish. When the dish arrives, the person quickly reaches for an expensive, professional-level, camera, photographs the dish, and walks out of the restaurant without even tasting the food. Now consider the same scenario but using a photographer who proclaims to love “nature,” instead of Chinese food; and a location offering incredible natural experiences, instead of a posh restaurant.”


Obviamente que qualquer pessoa tem todo o direito a fotografar como quer, usando a filosofia que entenda ser melhor - nunca criticarei quer que seja por fazer o que quer que seja com a sua fotografia – mas fico sempre impressionado com a quantidade de fotógrafos que só fotografam na “hora dourada”, ou na “hora azul” e que procuram sempre as mesmas regras da composição (para outro artigo, prometo), porque se não for assim a luz não é boa!


Cada vez se vê mais grupos de fotógrafos à procura daquele “shot”, daquele “spot”, feito no “Sunrise” ou no “Sunset”. Nos EUA já ouve casos de agressões e disputas físicas entre fotógrafos por um lugar para por o tripé para, provavelmente, fazer mais uma fotografia fantasticamente parecida com a outra do “A” e do “B”, que enchem de aborrecimento as redes sociais.


William Neill escreveu na introdução do seu fantástico “Landscapes of the Spirit” :


“Seeing and feeling beauty is more important to me than any resulting imagery”


É isso que sinto; será sempre essa a minha filosofia. A minha fotografia é um caminho, não é a meta.

Mas podem perguntar-me; então para que levar a máquina? É uma pergunta que faz algum sentido tendo em conta o que escrevi, mas na verdade encaro o “acto fotográfico” – não o prazer mecânico da coisa, atenção – como a parte dois da experiência estética. O acto de criar uma “obra”, físico, emocional, mas acima de tudo intelectual e ponderado faz parte do prazer que sinto quando estou a fotografar na Natureza. Foi o psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihayly, pai do conceito do fluxo (flow) que nos ensinou essa noção “the state in which people are so involved in an activity that nothing else seems to matter; the experience itself is so enjoyable that people will do it even at great cost, for the sheer sake of doing it.” (Csikszentmihalyi, Mihaly (1990). Flow: The Psychology of Optimal Experience.) Então, segundo essa teoria quase que poderia dizer que não poderia não fotografar. O fluxo transporta-nos para o prazer estético e emocional de fazer aquilo.




É isso que procuro quando saio de casa.


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