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  • Foto do escritorJoão Quintela

COMENTÁRIOS SOLTOS NUMA IDEIA LIGADA. SOBRE UM ARTIGO DO RICARDO SALVO

No número 2 da revista “Perspectiva” de Luis Afonso , Ricardo Salvo escreve um interessante e necessário artigo “Arte Barata” onde, entre outras questões, coloca a velha questão do “milhão de euros”: a Fotografia é arte?


Começo pelo fim e respondo desde já: claro que a Fotografia pode ser arte.


Mais à frente no seu texto, Ricardo Salvo explica-nos, bem, que, no último século e meio, essa pergunta nunca foi respondida objetivamente, apesar de o próprio admitir - como eu faço - que a Fotografia pode ser arte! Parece um contrassenso, mas não é, pois, o problema reside, sempre residiu, na ainda mais valiosa questão: O que é a Arte? Na verdade, não há uma resposta fechada e totalmente aceite para esta questão, além do facto de a resposta à pergunta variar de tempos a tempos; não gostas da definição hoje, espera uma ou duas décadas e ela irá mudar.


Está fora do âmbito deste artigo uma tentativa de definir o que é arte - e com certeza, fora da minha capacidade - mas, e simplificando muitíssimo, para termos um “termo comum” de comparação, podemos dizer que arte é algo criado, propositado, que está enquadrado (tem limites físicos), subjetivo, sensível(do conhecimento sensível, dos sentidos), que transcende o objecto e que nos transcende, algo que não existe senão na obra. Podemos também tentar dizer que é algo que apresenta formas dominantes ou familiaridades com outras obras de arte. E porque não dar a palavra aos artistas? “O propósito da Arte é tirar a poeira da vida diária de nossas almas”, lembra Picasso.


O que diríamos? Ambíguo e dúbio, certo? Mas infelizmente, é assim que estamos no que diz respeito a uma definição de arte.

Até a meados do séc. XIX seria muito mais fácil responder a essa questão, mas a “contemporaneidade” veio baralhar tudo isso.

Aconselho um pequeno livro do filósofo inglês Nigel Warburton “The Art Question” (2003) / “O que é a Arte” (Bizâncio) que percorre várias teorias da arte e respetiva história.


Chegamos então à conclusão que não é nem a forma nem o conteúdo, muito menos o método que define o que é o não é arte; uma pintura, tal como uma música ou uma fotografia, podem, ou não, ser arte. Na verdade, ou melhor, na minha verdade, há mais arte num quadro de Cézanne, do que na maioria da música escrita nos últimos seis séculos. Há mais arte no disco “FromSilence to Somewhere” dos Wobbler, do que na maioria da fotografia dita “fine art” contemporânea. Há mais arte no filme “Joana D’Arc” de Carl Dreyer, do que na maioria da escultura ocidental. Há mais arte na fotografia “Angel Gabriel” de Cole Thomson, que na maioria da iconografia religiosa e Arte Sacra.





A Fotografia, por ser relativamente recente, ainda não resolveu alguns das questões que tem na sua relação com a Arte - seja isso o que for - e ciclicamente volta às mesmas discussões, discutindo acaloradamente “assuntos sérios” para, novamente, voltar

às velhas questões. Como bem explica o Ricardo Salvo, no final do séc. XIX, vários fotógrafos insurgem-se contra a ideia estabelecida que, por ser um meio totalmente mecânico, uma fotografia não poderia ser nunca uma obra de arte. Foi por isso que certos fotógrafos começaram a manipular as chapas e negativos, quer fisicamente, quer quimicamente, quer por vezes usando pigmentos, a evitar detalhes nítidos, no

fundo, a afastarem-se da essência do processo fotográfico e a aproximarem-se da pintura impressionista (que estava em voga no final do séc. XIX) e, em simultâneo, evitar o preconceito do processo mecânico - aqui no sentido não artístico. Chamaram-se a si mesmo os Pictorialistas. Durante umas décadas, a fotografia pictorialista foi extremamente popular e, inevitavelmente, surgiram as primeiras disputas sobre a veracidade da fotografia pictorialista, em contraponto com a expressão “realista”, associada à pintura realista, contemporânea do movimento. Na verdade, alguns dos grandes fotógrafos do início do séc. XX começaram, e muitos continuaram, como fotógrafos pictorialistas: Ansel Adams, Henry Peach Robinson, Julia Margaret Cameron, Alfred Stieglitz, Edward Steichen ou Edward Weston.


Entretanto, primeiro em Inglaterra e depois nos EUA, vários movimentos tentaram libertar-se das “grilhetas” dos pictorialistas e surge a chamada “Straight Photography” - Fotografia Direta - (na verdade o termo é usado pela primeira vez por Alfred Stieglitz duas décadas antes de ser apropriado por Ansel Adams e o grupo f.64). Essa straight photography opunha-se aos pictorialistas, ao defender o primado da nitidez e dos pormenores sobre a realidade da cena. Na sua essência, a straight photography não era contra a manipulação da imagem, desde que fosse feita por “métodos fotográficos” - diferentes objectivas, química, dodge/burn, etc.. A manipulação da straight photography atingiu o seu clímax, e provavelmente ultrapassou certos limites, com a fotografia “Monolith, The face of half Dome” de Ansel Adams (1927).


Ainda hoje essa divisão é pertinente, recorrente e acaloradamente debatida, especialmente desde que o software digital tornou o processamento fotográfico ao alcance de qualquer pessoa. Aquilo que Ansel Adams fazia no estúdio (e pelo qual continua a ser lembrado, enaltecido e estudado) faz-se, sem cheiros nem químicos, no conforto da nossa casa. E muitas vezes o resultado é “isso não é fotografia, é uma phostoshopada”, como insulto último a um fotógrafo…


É ponto assente na maioria do publico e, infelizmente, na cabeça de muitos fotógrafos, que a fotografia deve ser a realidade. A fotografia não mente; a manipulação do original é “má”.


Isso não é verdade, e como escrevi recentemente, “de uma vez por todas, uma fotografia não é uma cópia do real. Uma fotografia é uma interpretação de uma certa realidade no sentir sensível de um autor. Agora que isso é complicado de fazer com um meio que parece uma fotocopiadora, também acontece. E é aí a grande diferença entre a Fotografia como arte e a fotografia como registo do real. Todos nós percebemos a diferença entre um texto dramático, de uma notícia de um jornal, de um texto publicitário ou de uma poesia. Há diferenças, mas será um ‘melhor’ ou mais adequado que outro?

Para que fique claro não pretendo defender um neopictorialismo a favor do realismo ou o seu contrário. Acho ambas as abordagens capazes de produzir tanto arte como banalidades.”

E é nesta dualidade entre pictorialismo e realismo que têm vivido os fotógrafos nos últimos 150 anos. Se os fotógrafos nem conseguem definir muito bem o que é a Fotografia, como conseguirão explicar se a Fotografia é arte?


E é esta indefinição perante o meio importante?

E a definição do que é a Fotografia valida-a como arte?


Voltarei ao tema.

*1 . https://luisafonso.com/magazine/

*2 . https://joaoquintela.wixsite.com/fotografia/post/estas-fotografias-parecem-pinturas

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